Li um artigo de jornal que dizia: “O Brasil virou um país de influenciadores”. O texto falava sobre profissionais que, para conseguir mais clientes, passaram a se comportar como criadores de conteúdo. A lógica é simples: mostrar mais = vender mais. Então o médico começa a postar vídeos com dicas, a arquiteta grava um tour pelo apartamento para fazer um "antes e depois" antes mesmo de ser contratada etc.
E aí a autora levanta algumas questões, como a mistura entre profissão e autopromoção constante, como se o valor do trabalho estivesse cada vez mais ligado ao “engajamento” que ele gera, e não à sua qualidade. Um médico com 500 seguidores pode ser muito mais competente do que aquele que cobra R$3.000 por consulta e viraliza todo mês com um reels sobre colágeno. Mas, adivinha quem vai ter mais pacientes?
E é aí que eu começo a me perguntar: o que acontece quando a lógica de mercado toma conta de tudo? Porque sim, todo mundo quer ganhar dinheiro, como dizia alguém que eu esqueci (acho que o Adam Smith): “você não conta com a bondade do padeiro para comer o seu pão”. Ele te vende porque precisa viver. E tá certo. O problema começa quando o capital deixa de ser meio e vira fim, quando ele se infiltra em tudo e transforma tudo em mercadoria.
As redes sociais funcionam a partir de imagem. E a imagem, nesse contexto, não é só estética — é simbólica. Carrega valor, status, desejo. Quanto mais visualmente desejável você é — seja pela aparência, pela casa iluminada, pelo lifestyle que transmite algum ideal — mais autoridade e/ou influência você conquista. É aí que entra o desejo mimético.
Quer ver um exemplo banal? O mesversário.
Quando eu era criança, nunca vi isso. Ninguém comemorava mês de vida com tema da Disney e bolo de três andares. Mas aí veio a era das influenciadoras, das blogueiras de maternidade e bebês de Gucci. E o mesversário virou padrão. A mãe que assiste isso — e que não tem como gastar R$58.000 em um bolo igual ao da Virgínia, que talvez tenha feito porque fechou uma publi com uma doceria — começa a achar que “precisa fazer alguma coisa”. Diz que vai fazer um bolinho “só pra não passar em branco”, mas com isso, vêm os convites, convidados, lembrancinhas, roupas do bebê, as fotos para o Instagram… e pronto: cria-se uma retroalimentação do desejo. Surgiu uma nova relação de consumo onde antes só havia um bebê com sono. Todos os meses.
Esse mecanismo não é novo. Antes da internet, ele já operava no cinema, na publicidade, na televisão — especialmente nas novelas. Uma atriz usava um esmalte, e no dia seguinte os salões estavam cheios de mulheres pedindo exatamente aquela cor. Uma personagem aparecia com um batom, uma bolsa, um corte de cabelo, e aquilo se tornava tendência. O desejo já era mediado pela imagem — pelas telas, pelos roteiros, pelos ídolos cuidadosamente produzidos.
E por trás disso tudo, existe a publicidade — uma espécie de missionária do capital, treinada não apenas para anunciar produtos, mas para moldar desejos. Edward Bernays, considerado o pai das relações públicas, foi um dos primeiros a entender que não se vendia um cigarro — vendia-se liberdade, beleza, pertencimento. Ele usou as ideias da psicanálise (de seu tio, Freud) para acessar os impulsos inconscientes das massas. O resultado? Cenas cuidadosamente encenadas de mulheres elegantes fumando em público — e milhões passando a imitá-las.
A diferença é que, agora, a lógica da influência deixou de estar concentrada em celebridades distantes e foi distribuída em milhões de microtelas, microinfluenciadores, microdesejos. O que antes era centralizado pela TV e pelas revistas agora é pulverizado em cada gesto cotidiano que vira conteúdo. A publicidade saiu do intervalo e entrou na vida.
Poderia continuar dando exemplos mais próximos — tipo como a Manu Cit tornou legal comer balde de salada e correr na praia pra várias meninas — mas acho que você já entendeu.
(esse vídeo que anexei me é muito curioso, ela fala do balde de salada de uma maneira romântica, transforma-o em um símbolo contra padrões de beleza, toca uma música com um tom emocional ao fundo, que transmite leveza, paz, enquanto dá pulinhos de felicidade ao terminar de preparar sua refeição. tem gente que nasceu pra comunicação, mesmo. eu fico imaginando como as meninas que assistem isso se sentem kkkkkk, que merda)
É assim que a engrenagem do capital funciona: criando novos desejos, novos rituais, novas carências. Nesse contexto, o influenciador molda o que as pessoas passam a desejar.
E aí eu paro e penso: eu aqui, estudante de psicologia, escrevendo uma newsletter… isso é o quê? Um exercício legítimo de expressão? Ou é uma tentativa de já construir uma audiência, uma autoridade, um “posicionamento” de mercado antes mesmo de me formar?
Talvez as duas coisas. Talvez nenhuma. Só sei que, às vezes, me pego pensando que nada do que eu sou e desejo realmente é meu.
Porque tudo já foi fabricado por uma estrutura que lucra com os nossos desejos. Os gostos, as opiniões, os sonhos, os estilos de vida… tudo isso se torna produto.
O capital antecipa o que vamos querer, molda o que devemos ser, e vende isso de volta pra gente como se fosse uma escolha.
No fim das contas, essa é a pergunta que sobra: o quanto você é livre?
Eu sei que somos, só que a natureza do livre arbítrio é papo para outra newsletter.
Obrigado por ler até aqui.
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