Olhar #3 | Sobre o domingo à noite
Tô com preguiça de pensar em uma H2, acabei de escrever o texto, me dá um desconto.
Ontem, domingo à noite, depois de jantar com minha mãe, colei na casa de um amigo (salve, Fefo). Conversando, até que ele me atravessa com uma pergunta:
por que o domingo à noite é tão deprê?
Ou algo do tipo. Minha memória falha às vezes.
Bom, antes de começar a falar sobre isso, se você não sabe, a “síndrome do domingo à noite” é um fenômeno que pode ser percebido com certa facilidade, aqui fiz uma busca rápida no Google, mas meu contato maior com esse assunto foi através de memes!!! Onde a galera faz piadas com a melancolia/ansiedade que os assalta no fatídico dia.
Voltando à pergunta do meu chapa Fefo:
Na hora, comecei a intuir algumas respostas.
Voltei mentalmente até a Idade Média.
Tentei imaginar como era a relação do cidadão medieval com o domingo à noite.
Não sei exatamente como era, mas não me parece que havia a mesma angústia que alguns de nós, no contemporâneo, sentimos.
Talvez porque as respostas que o homem medieval dava ao mundo estavam enraizadas no catolicismo. Ele se via como parte de uma Providência, num campo de batalha espiritual entre anjos e demônios. Doenças eram punições de Deus, portanto, justas. Ou ataques demoníacos — portanto, recorriam-se a Deus.
Havia uma Ordem Cósmica.
Claro: o homem medieval enfrentava problemas muito mais sérios que a ansiedade de domingo. Fome, peste, guerra.
Mas é exatamente esse o contraste que eu queria chegar:
eles sofriam materialmente, mas tinham uma estrutura simbólica (ou posição existencial) sólida.
A gente, ao contrário, tem abundância material, mas sofrimento psicológico.
Parêntese: provavelmente o homem medieval não pensava nesses termos. Ele não dizia a si mesmo “sou parte de uma ordem cósmica”. Mas experimentava a realidade dessa maneira.
Bom, já deu de Idade Média. Voltemos.
O nosso tempo é secularizado pra caralho
Mas a sociedade ocidental ainda vive apoiada nos escombros de seus três pilares fundantes: o direito romano, a filosofia grega e o catolicismo.
(Bom… os dois primeiros já estão por um fio.
E a Igreja Católica, apesar de capenga — sabemos, pela promessa de Cristo, que as portas do inferno não prevalecerão.
É. Vamos ter Igreja até o fim dos tempos. Deus é top.)
Isso significa que, de algum modo, todos vivemos um resquício da liturgia da Igreja Católica, apesar da secularização.
Domingo, originalmente, era o dia dedicado ao Senhor.
Hoje, é o dia em que a maioria descansa, não trabalha, “aproveita”, mas aí chega o domingo à noite.
E aí fudeu.
Por quê?
Porque qual foi a finalidade do teu gozo durante o dia?
Basta dois neurônios e um pouco de atenção pra inteligir uma coisa simples:
o prazer se consome ao mesmo tempo em que se realiza.
Você usufrui — e logo depois ele acaba.
Desvinculado de um fim, o prazer se aproxima do sofrimento. Pois todo prazer, por definição, é atravessado pela falta que o sustenta.
E o domingo à noite é o momento em que essa falta aparece com mais nitidez.
A ansiedade de domingo à noite é o símbolo da falta de sentido do contemporâneo
Qual é o fim último da sua vida, no fundo?
Por que você faz o que faz?
Porque tem que iniciar a semana de novo? Trabalhar? Cumprir obrigações?
Hoje, o sujeito não se percebe mais como parte de uma ordem cósmica que o antecede e o excede — mas como alguém incumbido de criar sentido a partir da própria experiência.
Isso parece libertador à primeira vista.
Mas também é um fardo.
Em vez de uma estrutura externa que organiza o mundo e orienta a existência, agora cada um precisa inventar sua própria narrativa, seu próprio propósito, sua própria verdade.
E daí surgem os discursos contemporâneos de autoajuda travestida de sabedoria:
"descubra sua missão", "seja sua melhor versão", "protagonize sua história".
Bonito, né?
Mas no fundo, esse discurso disfarçado de empoderamento só produz mais ansiedade.
Porque se tudo depende de você, qualquer fracasso também é culpa sua.
E você nunca vai estar à altura da expectativa que te ensinaram a ter de si mesmo.
Eis a tragédia da autonomia moderna.
Bom, acho que é isso. Consegui escrever o texto sem falar sobre capitalismo e mercado. Vitória.
Mas a realidade é complexa pra caralho, e permite análises sob muitos ângulos — muitas vezes contraditórios.
Aliás, quero escrever sobre isso:
de como a lógica é só um instrumento da razão, e não o modo como a realidade funciona. Porque a realidade, no fundo, é ilógica. E tentar forçar tudo a caber numa forma lógica leva, muitas vezes, à frustração.
Viver com tensões internas, contradições, paradoxos — talvez esse seja o único caminho realista para a tal da “saúde mental”.
(Ok, não sei exatamente o que significa saúde mental. Mas gosto de como soa. rsrs)
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